
O bem-estar do homem
Se o relacionamento não está bom, se as despesas estão altas, a ideia é eliminar a fonte do problema, assim, como se nada fossem
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Interessante pensar em casamentos que terminam e em como o término revela a forma como os homens veem as mulheres. “Dormi melhor que sempre, porque eu tinha me livrado de um problema”, disse, sem nenhum arrependimento, João Augusto Borges de Almeida, de 21 anos, após ser preso em flagrante por ter matado a esposa de 23 anos e a filha de 10 meses. Um duplo feminicídio premeditado, João queria se separar e não queria ter que pagar pensão; essa foi a motivação do crime.
Infelizmente, esse fato assustador não é um caso isolado. Isso é um reflexo da misoginia. Se o relacionamento não está bom, se as despesas estão altas, a ideia é eliminar a fonte do problema, assim, como se nada fossem. Um retrato radical do ódio que muitos homens têm contra as mulheres.
Saindo de um extremo e indo para o lugar comum, quando um casal tem filhos e decide que a mãe vai deixar o mercado de trabalho para exercer o papel de cuidadora, a decisão é feita de comum acordo, ficando para o marido o dever de prover à família, e à esposa o dever de cuidar. Enquanto o homem pode focar na carreira, investindo e prosperando, à mulher resta o limbo profissional e o lugar de boa mãe, boa esposa e boa dona de casa.
Enquanto recai sobre ela a sobrecarga pelos cuidados invisíveis, se a questão financeira aperta, ela ainda é responsabilizada por não estar fazendo um trabalho remunerado para contribuir com as despesas da casa. Se ela sai para trabalhar, ainda tem que arcar com o trabalho doméstico que, ao contrário do que deveria, não é dividido igualitariamente entre os cônjuges.
Um dia, ele se cansa da rotina, perde o interesse na mulher, submersa pelos afazeres, se cansa da função de provedor, se interessa por outra pessoa e sai de casa. E quando ele sai, ele quer levar tudo o que lhe convém, e deixar o mínimo possível. O salário dele - que era dividido por 3, 4, 5, ele não quer mais dividir; oferece o mínimo para a sobrevivência dos próprios filhos, muitas vezes nem isso. E a Justiça patriarcal é favorável a esse homem.
“Quando a pensão sobe demais, a criança deixa de ser filho e vira um transtorno na vida do pai.” Essa frase saiu da boca do desembargador Amílcar Robert Bezerra Guimarães do TJ-PA, ao comentar sobre o valor de 25% de pensão destinado a um filho autista. Como bem disse minha querida Odette Castro:
“O pensamento que coloca o bem-estar do homem acima da vida da criança, revela que, mesmo em 2025, há quem enxergue a responsabilidade paterna como um fardo, não como um dever moral, humano e constitucional. Quando um representante da Justiça naturaliza o abandono paterno, minimiza a importância do cuidado com uma criança com deficiência e transforma a pensão alimentícia em uma “ameaça” à paz do homem, ele não apenas distorce o papel da Justiça, ele a trai.
Essa mentalidade é a base do patriarcado: um sistema que entende o homem como sujeito de direitos e a mulher (ou a criança) como peso, como ônus, como demanda. É o mesmo sistema que, há décadas, reduz as mães à condição de guerreiras solitárias, enquanto pais são aplaudidos quando “ajudam”. Agora, pior: há quem diga que sustentar um filho é um transtorno.”
A fala do desembargador e a fala do pai assassino fazem parte dessa lógica patriarcal. Querem que a mãe seja um robô, a mãe Rose Jetson (aquela empregada do desenho animado), que obedece a comandos, vive exclusivamente para exercer o trabalho de cuidado sem nenhum direito ou remuneração. A mãe é colocada nesse lugar de não ser, esse lugar de sombra, fazendo um trabalho invisível, que vive de luz e cuida como uma mulher foi ensinada a cuidar. Vale lembrar que até os robôs precisam de bateria para trabalhar.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.